Então, Rispa, filha de Aiá, tomou um pano de saco e o estendeu para si sobre uma penha, desde o princípio da ceifa até que sobre eles caiu água do céu; e não deixou que as aves do céu se aproximassem deles. 2 Samuel 21:10
Pela história bíblica desfilam heróis cujos feitos os colocam sob o brilho intenso de holofotes. Contudo, existem aqueles que, se notabilizaram nos bastidores. Entre esses está Rispa. Nunca apresentei um sermão nem escrevi algo que a tivesse como tema. Também não me lembro de ter ouvido muitas referências a seu respeito. Mas ela se destaca por um ato sutil que teve consequências marcantes na história de Israel e no reinado de Davi.
Rispa era concubina do rei Saul, com quem teve dois filhos, Armoni e Mefibosete. Foi acusada de envolvimento ilícito com um general do rei, mas o ato com que escreveu seu nome na história bíblica começou em um episó-dio violento relatado em 2 Samuel 21. Em resumo, Deus enviou uma fome como punição a Israel pela tentativa de Saul em destruir os gibeonitas, igno-rando o pacto de proteção que a nação havia firmado por engano com aquele povo (Js 9). Em resposta à intenção de Davi em reparar o erro, os gibeonitas exigiram a morte de sete descendentes de Saul. Nisso, foram estranhamente atendidos, e entre os que foram executados estavam os dois filhos de Rispa.
Foi nesse ponto que, sem marido nem filhos que lhe garantissem o sustento, ela preferiu agir com prudência. Em vez de queixas e recriminações, acampou sobre uma rocha velando pelos corpos, impedindo que animais os devorassem. Não ficou apenas alguns dias; aparentemente, velou os mortos durante várias semanas, até o tempo das chuvas outonais.
Finalmente, tocado pelo gesto, Davi ordenou que os restos mortais daqueles homens e também os de Saul e Jônatas fossem recolhidos para um sepultamento digno. Embora não tenhamos como responder às perguntas sobre o meio e os motivos utilizados por Davi nesse episódio, não se pode questionar o exemplo de Rispa e as consequências dele. Em meio à carnificina que lhe dilacerou o coração materno, ela manteve a serenidade proveniente da fé. Sofreu, sem mostrar desespero nem ódio contra os que tiraram a vida dos filhos.
O resultado foi compensador. Aquele funeral deu início a um período de paz entre as tribos que lutavam entre si e lançou as bases para um Israel unido. Ainda que não possamos avaliar as consequências de nossas boas ações que não recebem aplausos, em algum momento nos depararemos com seus resultados. Se não aqui, na eternidade.
Zinaldo A. Santos, De Coração a Coração, MM 2020, CPB