Ellen White acreditava na Trindade?

Os seguintes textos, todos publicados durante a vida de Ellen White por ela própria, respondem à pergunta:

“Há três pessoas vivas pertencentes ao trio celeste; em nome destes três grandes poderes – o Pai, o Filho e o Espírito Santo –, os que recebem a Cristo por fé viva são batizados, e esses poderes cooperarão com os súditos obedientes do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo” (Special Testimonies, Série B, nº 7, p. 62-63 [publicado em 1906]; Bible Training School, 1° de março de 1906).

A Divindade moveu-Se de compaixão pela raça, e o Pai, o Filho e o Espírito Santo deram-Se a Si mesmos ao estabelecerem o plano da redenção. A fim de levarem a cabo plenamente esse plano, foi decidido que Cristo, o unigênito Filho de Deus, Se desse a Si mesmo em oferta pelo pecado” (Australasian Union Conference Record, 1° de abril de 1901; A Systematic Offering for the Sydney Sanitarium, p. 36 [publicado em 1901]; Review and Herald, 2 de maio de 1912).

“O mal vinha se acumulando por séculos e só poderia ser contido pelo inigualável poder do Espírito Santo, a terceira pessoa da Divindade, que viria sem restrições em Sua eficácia, mas em plenitude do divino poder” (Carta 8, 1896; Special Testimonies for Ministers and Workers, n° 10, p. 25 [publicada em 1897]).

“O príncipe da potestade do mal só pode ser mantido em sujeição pelo poder de Deus na terceira pessoa da Divindade, o Espírito Santo” (Special Testimonies, Série A, nº 10, p. 37 [publicado em 1897]).

“Ao pecado só se poderia resistir e vencer por meio da poderosa operação da terceira pessoa da Divindade, a qual viria, não com energia modificada, mas na plenitude do divino poder. É o Espírito que torna eficaz o que foi realizado pelo Redentor do mundo” (O Desejado de Todas as Nações, p. 671 [1898]; Review and Herald, 19 de maio de 1904; [Australian] Signs of the Times, 4 de dezembro de 1911).

“Cristo enviou Seu representante, a terceira pessoa da Divindade, o Espírito Santo. Nada podia superar esse dom” (Signs of the Times, 1° de dezembro de 1898; Southern Watchman, 28 de novembro de 1905).

Como entender as declarações em que Ellen White afirma que a natureza do Espírito Santo é um mistério?

Os adventistas que negam a personalidade do Espírito Santo costumam citar alguns textos em que Ellen White declara que a natureza do Espírito Santo é um mistério. As declarações mais frequentemente citadas encontram-se em Manuscript Releases, v. 14, p. 179; Atos dos Apóstolos, p. 51 e 52. Essas pessoas argumentam que, se o assunto é um mistério, ele não pode ser definido ou compreendido. Portanto, seria incorreto e mesmo especulativo ensinar que o Espírito Santo é uma Pessoa da Divindade.

É interessante, entretanto, que as mesmas pessoas que utilizam esse argumento, na prática, contradizem a si mesmas. Frequentemente, elas definem o Espírito Santo como algo impessoal, a saber, “um atributo que não pode ser separado de Deus”, a mente de Deus e de Cristo e o fôlego ou respiração compartilhado por ambos. Em outras ocasiões, o Espírito Santo é compreendido como um ser pessoal: Deus, o Pai; Cristo; o anjo Gabriel; ou os anjos em geral. Portanto, é evidente que essas pessoas têm definições bastante específicas, embora conflitantes, sobre a natureza do Espírito Santo.

Antes de analisar os textos em que Ellen White declara que a natureza do Espírito Santo é um mistério, devemos ter uma compreensão geral sobre o que ela ensinou a respeito do assunto. Em diversos textos ela claramente define o Espírito Santo como uma das “três pessoas vivas pertencentes ao trio celestial” ([Special] Testimonies, série B, nº 7, p. 63; Bible Training School, 1° de março de 1906) e “a terceira pessoa da Divindade” (Carta 8, 1896; Special Testimonies for Ministers and Workers, n° 10, p. 25; Special Testimonies, Série A, nº 10, p. 37; O Desejado de Todas as Nações, p. 671; Signs of the Times, 1° de dezembro de 1898; Review and Herald, 19 de maio de 1904; Southern Watchman, 28 de novembro de 1905). Portanto, é evidente que, para Ellen White, o fato de que a natureza do Espírito Santo seja um mistério não significa uma ausência de revelação sobre o assunto. Concluídas essas observações introdutórias, devemos analisar os dois textos de Ellen White mencionados no início.

A carta ao “irmão Chapman”. Uma das declarações frequentemente citadas por aqueles que negam a personalidade do Espírito Santo encontra-se em Manuscript Releases, v. 14, p. 179. Originalmente, esse texto era parte da Carta 7, 1891, escrita “ao irmão Chapman” em 11 de junho de 1891. Ellen White declara: “A natureza do Espírito Santo é um mistério não claramente revelado, e você jamais será capaz de explicá-lo a outros porque o Senhor não o revelou a você. Você pode reunir passagens da Escritura e impor sua própria construção sobre elas, mas a aplicação não é correta. […] Não é essencial para você saber e ser capaz de definir exatamente o que seja o Espírito Santo. Cristo nos diz que o Espírito Santo é o Consolador, e o Consolador é o Espírito Santo. […] Existem muitos mistérios que eu não busco compreender ou explicar; eles são muito elevados para mim e muito elevados para você. Sobre alguns desses pontos, o silêncio é ouro.”

A própria carta escrita por Ellen White esclarece que o equívoco mantido pelo “irmão Chapman” era crer que o Espírito Santo é “o anjo Gabriel” (p. 175). O problema essencial de Chapman consistia em ser demasiadamente específico em sua definição. Ellen White responde a isso ao declarar que não se deve “definir exatamente o que seja o Espírito Santo”, pois esse é “um mistério não claramente revelado”. Além disso, Chapman chegou a uma conclusão especulativa, pois está além de qualquer declaração presente na Bíblia ou no Espírito de Profecia. Ellen White menciona esse aspecto do problema ao condenar o uso de uma “construção” artificial de “passagens da Escritura” para provar uma teoria.

Em torno de 1891, os adventistas estavam convencidos da plena divindade do Espírito Santo (J. H. Waggoner, The Gifts of the Spirit, p. 23; Review and Herald, 3 de julho de 1883, p.  421), mas, ao contrário de Chapman, rejeitavam a teoria de que Ele é um ser criado, um anjo ou grupo de anjos (Signs of the Times, 15 de julho de 1889, p. 422; idem, 4 de novembro de 1889, p. 663). Apesar disso, nessa época poucos adventistas compreendiam o Espírito Santo como uma das três Pessoas da Divindade. Em um contexto “não trinitariano”, é compreensível que a definição dada por Chapman não estivesse ligada à Divindade. É provável que ele tenha observado que Gabriel ocupa uma posição singular no Céu, pois, além de Deus e de Cristo, é o único ser celestial mencionado por nome na Bíblia. Chapman deve ter observado também que Ellen White atribui a Gabriel a posição imediatamente abaixo de Cristo. Seja como for, o certo é que Chapman identificou a posição singular de Gabriel com o Espírito Santo.

A declaração de Atos dos Apóstolos. Outro texto frequentemente citado encontra-se em Atos dos Apóstolos, p. 51 e 52, onde Ellen White declara: “Não é essencial que sejamos capazes de definir exatamente o que seja o Espírito Santo. Cristo nos diz que o Espírito é o Consolador, o ‘Espírito de verdade, que procede do Pai’ (Jo 15:26). Declara-se positivamente, a respeito do Espírito Santo, que, em Sua obra de guiar os homens em toda a verdade ‘não falará de Si mesmo’ (Jo 16:13). A natureza do Espírito Santo é um mistério. Os homens não a podem explicar, porque o Senhor não lho revelou. Com fantasiosos pontos de vista, podem-se reunir passagens da Escritura e dar-lhes um significado humano; mas a aceitação desses pontos de vista não fortalecerá a igreja. Com relação a tais mistérios – demasiado profundos para o entendimento humano – o silêncio é ouro.”

É evidente a semelhança entre esse texto e o da carta “ao irmão Chapman”. Ambos declaram que “a natureza do Espírito Santo é um mistério”, mas, sobre esse assunto tão profundo, “o silêncio é ouro”. É possível “reunir passagens da Escritura” para construir uma teoria humana, mas o resultado será desastroso. Novamente, Ellen White condena qualquer tipo de especulação sobre o assunto. O erro consistiria em “definir exatamente o que seja o Espírito Santo”, indo além da revelação. Além disso, Cristo já trouxe luz sobre o assunto, ao ensinar que Ele é “o Consolador”. Em Atos dos Apóstolos, entretanto, Ellen White apresenta um motivo adicional contra a especulação, não presente na carta a Chapman. “Em Sua obra”, o Espírito Santo “não falará de Si mesmo”. Isso parece indicar que não há tanta revelação sobre o Espírito, pois, como Ele é o agente da revelação e inspiração, Sua obra não estaria centralizada em Si mesmo, mas em Cristo.

O livro Atos dos Apóstolos foi publicado originalmente em 1911. Uma análise da literatura mostra que, nessa época, os adventistas consideravam o Espírito Santo como uma das três Pessoas da Divindade/Trindade. Em um período anterior, seria natural que o Espírito Santo fosse identificado com um anjo, o que foi realizado por Chapman. Agora, o natural seria identificá-Lo com um ser que possui características mais claramente divinas. Já em 1898, R. A. Underwood, influenciado pelas declarações de Ellen White sobre “a terceira pessoa da Divindade”, parece sugerir que o Espírito Santo é um ser corpóreo como o Pai e o Filho. Segundo ele, assim como Satanás “está presente em todos os lugares deste mundo por seus representantes, os anjos caídos”, o Espírito Santo é onipresente apenas por meio dos anjos bons (Review and Herald, 17 de maio de 1898, p. 310-311).

Seguindo uma linha semelhante de raciocínio, em 1905, S. N. Haskell argumentou que o Espírito Santo é Melquisedeque. O Espírito não poderia ser “o anjo Gabriel”, “porque os anjos são seres criados e, portanto, têm início de dias”. O Espírito Santo, entretanto, “é a ‘terceira pessoa da Divindade’ e, portanto, não possui mais ‘início de dias nem fim de existência’ [Hb 7:3] que o próprio Deus”. Haskell conclui: “O Espírito vem ao mundo como um representante de Cristo e é semelhante a Cristo. […] A Abraão Ele apareceu como Rei e Sacerdote” ([Australian] Signs of the Times, 18 de fevereiro de 1905, p. 81). Embora Ellen White não tenha especificado as teorias que condenava, sem dúvida incluíam as ideias de Underwood e Haskell.

Sumário e reflexões finais. As declarações em que Ellen White afirma que a natureza do Espírito Santo é um mistério encontram-se em dois contextos distintos da história da Igreja Adventista. No período de ênfase “não trinitariana” (1844-1897), ela advertiu contra a teoria especulativa de que o Espírito Santo é Gabriel. Em um período posterior, “trinitariano” (1897 em diante), ela condenou teorias que definiam a personalidade do Espírito Santo sob uma perspectiva antropocêntrica.

Em ambos os períodos, a ênfase de Ellen White estava em advertir contra uma definição demasiadamente precisa e minuciosa a respeito do assunto, que vá além da revelação. As advertências de Ellen White são bastante relevantes ainda para o nosso tempo, em que existem teorias especulativas sobre o Espírito Santo.

(Matheus Cardoso é formado em Teologia pelo Unasp) – Publicado por Michelson Borges

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