Eu lhes perdoarei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados. Jeremias 31:34

Num conto intitulado “Funes, o Memorioso”, publicado no livro Ficções, o escritor argentino Jorge Luis Borges conta a história fictícia de Ireneo Funes, um jovem que vivia em Fray Bentos, Uruguai. Como sugere o título, o rapaz tinha uma memória fantástica. Isso começa a ficar claro quando Borges o encontra. Nessa ocasião, o primo de Borges pergunta a hora, e Funes responde corretamente sem olhar para o relógio.

Três anos depois, Borges volta ao lugar para descansar e estudar latim. Fica sabendo que Funes havia caído do cavalo e estava imobilizado. Funes pede empres­tados alguns livros em latim e um dicionário. Borges envia os mais difíceis. Alguns dias depois, Borges recebe um telegrama informando que seu pai estava doente. Ele tem que voltar para Buenos Aires, mas se lembra de buscar os livros. Quando chega à casa de Funes, o rapaz o cumprimenta em perfeito latim e recita um trecho de uma obra de Plínio.

Então, Funes revela que, desde a queda do cavalo, ele percebe todas as coisas em detalhes e não consegue esquecer nada. Lembra até a forma das nuvens. Para passar o tempo, recria mentalmente os fatos do dia, mas descobre que gasta outro dia para isso. Sua memória registra tudo de forma concreta, sem abstrações, com inúmeros detalhes.

Borges passa a noite conversando com Funes. Na manhã seguinte, quando a luz revela a face de Funes, com seus 19 anos, Borges o vê “tão monumental como bronze, mais antigo do que o Egito, anterior às profecias e às pirâmides”. Funes morre pouco tempo depois, na obscuridade.

Embora a história de Funes seja ficção, existem casos reais de pessoas que têm uma memória prodigiosa, às vezes devido a algum distúrbio, como a síndrome da supermemória. A situação de Funes e de outros mostra que ter uma memória “perfeita” é, na verdade, uma maldição. Você já pensou se não conseguisse esque­cer nenhuma sensação, nenhum detalhe, nenhum erro de sua vida inteira? Num mundo imperfeito, ter uma memória imperfeita é uma bênção. Ninguém suportaria a lembrança constante de tudo que já passou por seus olhos, ouvidos ou neurônios.

Em certo sentido, esquecer é uma estratégia de sobrevivência – pelo menos no âmbito espiritual e emocional. Por isso, Deus nos perdoa e esquece. Se você tem algo em seu passado que merece ser esquecido, agradeça ao Senhor por não ter uma super memória. Não tente se lembrar do que o próprio Deus prefere esquecer.

 

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