Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Mateus 5:7

Pensando na condição do mundo, Fernando Pessoa escreveu: “A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. […] Quem simpatiza para” (Livro do Desassossego, p. 303). De fato, parece que vivemos em um mundo no qual a insensibilidade e a indiferença podem até matar. Há um clamor generalizado por justiça, mas também uma necessidade gigantesca de misericórdia. No entanto, prosseguimos nosso caminho, na maioria das vezes, demonstrando nada mais que uma simpatia superficial para com sofredores. Lembro-me de ter lido, tempos atrás, a história de Rafael, um garoto de nove anos.

Era manhã de um domingo frio de julho e, com os pais, ele voltava para casa depois do culto. A felicidade estampada no rosto deles logo foi transformada em perplexidade no pequeno Rafael, quando encontraram outro menino dormindo sob a marquise de um edifício, sem nada que o agasalhasse. Rafael não titubeou: “Pai, vamos levar este menino para casa; ele deve estar com fome e pode almoçar com a gente.” Gaguejando, os pais tentaram explicar porque não podiam levar o indigente para casa, apesar da insistência do filho. Sem alternativa, apressaram-se a tomar a mão dele e seguir em frente. Não sei se Rafael conseguia entender, mas ali estava ele diante da diferença entre a teoria do verdadeiro cristianismo e a prática revelada pelos pais.

O mundo precisa de misericórdia! Isso é o que Deus nos pede (Mq 6:8; Os 6:6). Foi o que Jesus pregou na contramão das ações dos líderes religiosos e governamentais de Seus dias. A misericórdia como sentimento ativo em relação à dor alheia, que nos leva a “calçar os sapatos” do sofredor e agir para minorar sua miséria, é apenas um dos significados.

Há também seu lado perdoador, conferindo a quem não merece uma nova chance de reerguimento. Não que isso signifique transigência com faltas, mas, compreendendo nossa própria debilidade espiritual, somos habilitados a julgar à maneira de Deus: com justiça e graça. Recebemos o que damos. Se fomos tratados por Ele com misericórdia, isso é o que compartilharemos com outros. Nenhum de nós tem, por natureza, um espírito misericordioso. Esse modo de ser é experimentado apenas por meio da graça de Deus. Se ela estiver em nós, teremos o Espírito de Cristo; seremos misericordiosos e obteremos misericórdia. Afinal, necessitamos dela para viver aqui e agora, bem como diante do tribunal divino.

Zinaldo A. Santos, De Coração a Coração, MM 2020, CPB

SEM COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA